Nelson Fontana, Advogado e Corretor de Seguros

Tive a oportunidade de fazer alguns cursos nos Estados Unidos e me lembro de sentir algum preconceito contra os corretores de seguros entre os americanos e, entre outras críticas, lembro de ter ouvido que os corretores seguem rituais de venda muito aborrecidos. 

Em cursos de técnicas de vendas de seguros que tive oportunidade de fazer, em São Francisco e Princeton, com professores americanos, observei que existe realmente um treinamento ritualístico, com etapas de venda que o corretor deve seguir para preparar o espírito do cliente para ouvir a proposta. Os americanos gostam muito de “treinamento”. Não basta que você, corretor de seguros, conheça o produto. Você é treinado para seguir um ritual que prepara o seu cliente, coloca-o num clima adequado, para receber a proposta e, com isto, o corretor vai fechar o seguro com mais facilidade. Isto é muito importante para o americano que detesta improvisos, ao contrário dos brasileiros que são muito mais espontâneos. Nós brasileiros não gostamos de rituais como os estrangeiros mas podemos ver isto nas lojas do Mc Donald’s ou nos restaurantes japoneses onde todos saúdam os clientes assim que eles passam pela porta. Uma cadeia americana de churrascos à moda australiana, exigia que seus garçons se ajoelhassem ao lado da mesa dos clientes na hora de se apresentar e tirar o pedido. Estes rituais fogem dos hábitos naturais dos brasileiros, ficam artificiais e são ótimos para humoristas divertirem suas plateias com piadas, por vezes bem grosseiras sobre estas profissões.

Em 1993 Johnny Depp, Juliette Lewis e Leonardo di Caprio fizeram um ótimo filme chamado What’s eating Gilbert Grape? traduzido no Brasil para Gilbert Grape – Aprendiz de sonhador. É um filme muito delicado, tratando sobre responsabilidades que caem, às vezes inesperadamente, sobre as pessoas. Um rapaz novo (Johnny Depp com seu personagem Gilbert Grape), em decorrência do suicídio de seu pai, torna-se responsável por uma família problemática com um irmão deficiente (Leonardo di Caprio) e uma mãe muito obesa. Neste filme, um corretor de seguros procura o rapaz, filho mais velho e o novo responsável pela família e lhe oferece um seguro de vida. É muito interessante assistir o processo de venda deste seguro, porque ele é precedido de um discurso que começa com “agora você é responsável por uma família, que depende de você”. Pelas práticas locais, o corretor de seguros, ao conversar com um cliente para oferecer um seguro de vida tem que começar a conversa ressaltando que agora ele é um adulto responsável por uma família e é o momento dele pensar no futuro. Apesar da mensagem correta e positiva, os americanos fazem graça com estes rituais que são seguidos cegamente pelos corretores de seguros. No caso deste filme, a gozação que o diretor faz com este corretor de seguros é que o rapaz, personagem do Johnny Depp, era amante da mulher do corretor e fica muito assustado quando ele entra em contato e diz que “precisa conversar seriamente com ele”. Ele vai ao encontro certo de que o marido traído de sua amante descobriu o caso e vai ameaçá-lo mas ouve o discurso ritualístico da venda de um seguro de vida, assustado com aquela situação cômica e ridícula. Não me lembro exatamente porque o título original é “What’s eating Gilbert Grape?”, mas imagino.

A pior piada contra os corretores de seguros na televisão americana, que sinceramente acho ofensiva, assisti num capítulo da série “Seinfeld”. O amigo do Jerry Seinfeld, George Costanza, personagem de Jason Alexander, está numa festa e vê entrar uma antiga namorada de adolescência, com o marido. Ele vai conversar com ela e fica surpreso ao descobrir que ela era uma neurocirurgiã. Elogia muito a ex-namorada e como ela se tornou uma profissional de alto nível. Ela aponta para o marido, que está longe, e diz ter se casado com ele. Nesta hora George pergunta a ela qual a profissão dele. Ela responde: Corretor de Seguros, ao que George retruca: Você merecia coisa melhor.

Não é inacreditável?

Por fim, lembro de que os próprios corretores de seguros têm uma certa baixa autoestima, nos Estados Unidos. Eu representava uma corretora de seguros da Califórnia e fui a São Francisco para algumas reuniões com seus diretores.  Ao fim do dia, o presidente da corretora disse que sua mulher havia preparado um jantar para mim e mais alguns diretores, em sua casa. Durante o jantar, alguns diretores da corretora, que eu não conhecia, fizeram muitas perguntas sobre o Brasil e sobre o mercado de seguros. Um deles me perguntou qual era minha formação e respondi que era formado em direito pela USP, que eles não conheciam, mas lembro de ter dito que é uma Universidade bem-conceituada no Brasil. Para minha surpresa passei a ser bombardeado com perguntas que mostravam a surpresa dos diretores da Corretora americana com o fato de que eu, um advogado formado por uma faculdade bem-conceituada no Brasil, me dedicar à atividade de corretor de seguros. Lembrei desta ocasião num dia que fui a um congresso de advogados em São Paulo. Ao estacionar o carro no Anhembi percebi que os carros dos advogados eram bem mais simples que os carros que sempre vi nos congressos de corretores de seguros. Vida de advogado não é fácil no Brasil. Não lamento em nada ter optado pela profissão de corretor de seguros. 

Escrito por Nelson Fontana, corretor de seguros e advogado. [email protected] , em 12/01/2024.

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