Nelson Fontana, corretor de seguros e advogado

Algo está acontecendo no ramo de seguros de automóveis no Brasil, que é o ramo básico, principal atrativo para angariar clientes para a maioria dos corretores de seguros. Para tentarmos entender o que virá por aí, temos que analisar alguns itens:

1. O seguro de automóveis oferecido aos brasileiros, tradicionalmente, é um pacote compreendendo danos ao veículo, danos a terceiros, acidentes pessoais mais uma série de serviços. Este produto interessa ou é acessível atualmente para os proprietários de apenas 25% da frota nacional sem perspectivas de mudanças significativas nos próximos anos;

2. Existe um padrão uniforme adotado pelas 7 ou 8 Seguradoras que dominam o segmento: Apólices individuais, custo baseado no perfil do motorista e pagamento parcelado “sem juros”, voltado prioritariamente para veículos novos e seminovos.

3. A indústria automotiva sofreu grandes mudanças nos últimos anos. Carros populares que eram vendidos por R$ 35 a 40.000,00 pararam de ser fabricados e foram substituídos por modelos com mais tecnologia embarcada. Campeões de vendas, como o Palio, Ka, Gol e Celta foram abandonados e a indústria passou a focar carros para o público com maior poder aquisitivo, como os SUVs. Os novos modelos custam de R$ 70.000,00 a R$ 200.000,00. O Brasil fabricou 3.700.000 veículos em 2013 e agora não consegue chegar a 2.400.000. Mercados tradicionalmente fregueses da indústria brasileira, como América Latina e África, estão inundados de carros chineses e coreanos.

4. O plano do governo de incentivo à indústria automobilística, com descontos, está tentando reverter esta situação, mas é um remédio de curto prazo.

5. Esta elevação do custo dos veículos novos incentivou o mercado de seminovos e usados. O valor FIPE aumentou para todos veículos repercutindo, obviamente, no custo dos seguros. Existe uma queixa geral de que o seguro automóvel está caro e fora do poder aquisitivo da população.

6. Quando analisamos a situação dos consumidores brasileiros, vemos que as taxas de inadimplência nas contas de luz, água, celular e gás estão muito altas e demonstram que o poder aquisitivo da população está muito baixo. Se as pessoas não conseguem pagar suas contas de luz e celular, obviamente não vão comprar carros novos. Parte delas não vai renovar suas apólices, deixando seus carros sem seguros.

7. Estes fatores somados representam uma grande oportunidade para os “produtos alternativos” ao seguro de automóveis tradicional. 75% dos veículos no Brasil estão sem seguro e boa parte dos 25% segurados é contratado por gente que acha o seguro custa muito caro, o que significa que 80 a 85% dos proprietários de automóveis são potenciais compradores de produtos alternativos.

8. Quais são os produtos alternativos aos seguros tradicionais?

a) Cooperativas e Associações de Proteção Veicular – O serviço oferecido pelas APVs, proteção mútua contra perdas, que não se confunde com seguro, é mais barato, visto que as APVs não têm os encargos e obrigações que as Seguradoras têm, nem oferece a mesma cobertura. O produto é pior, as APVs oferecem mais risco e são menos fiscalizadas. Com isto, o Mercado de Seguros acha que este argumento vai convencer a população e os Tribunais a eliminar a concorrência das APVs. O que as lideranças do Mercado de Seguros não estão considerando é que para o proprietário de automóvel que está sem seguro, aderir a uma APV significa uma redução de risco. Como que em um cenário em que 75% dos proprietários de automóveis no Brasil deixam seus carros sem seguros, alguém pode falar que as APVs aumentam a insegurança? Insegurança é insistir na tese de que o seguro completo, caro e bem fiscalizado é a solução para todos os proprietários de automóveis ignorando que quase 75% dos veículos estão expostos a riscos sem qualquer proteção. É a mesma coisa que falar: “brasileiros, parem de andar de moto porque é inseguro. Comprem automóveis com air bag e cinto de segurança”. Claro que os brasileiros vão perguntar: Tem algum carro que custa a mesma coisa que uma moto? Um carro custa quatro vezes uma moto.

b) Empresas de Rastreadores – Os brasileiros temem o roubo e furto de seus veículos e este é efetivamente o maior risco de perda no Brasil. A criminalidade está sem controle. O risco de danos a terceiros deveria ser equivalente ao risco de perda por roubo ou furto. Infelizmente não é assim. Boa parte da população acredita que se falar na hora do acidente que não tem como pagar os danos causados a terceiros, a pendencia está resolvida. As novas formas digitais de se localizar bens de pessoas pela Justiça brasileira, penhorando contas bancárias, automóveis e propriedades deve mudar este quadro e conscientizar a população da necessidade de ter uma boa cobertura para danos a terceiros. De qualquer forma, as Empresas de rastreadores já oferecem um ótimo produto alternativo ao seguro, com rastreadores, cobertura de roubo e furto de veículos não localizados e responsabilidade civil por danos a terceiros, estas últimas oferecidas pelas Empresas de Rastreadores em conjunto com Seguradoras.

c) SandBox – As empresas inovadoras lastreadas em tecnologia, Insurtechs, chegaram e estão de olho nas oportunidades. Estão apresentando produtos simples e baratos para contratação pela internet. O mercado já passou por uma situação semelhante na época em que os Bancos começaram a vender seguros de automóveis ao ponto que muitos achavam que era o fim da classe dos corretores de seguros. As lideranças dos Corretores de Seguros alardearam, no passado, que conseguiram controlar o avanço dos Bancos nas carteiras de seguros de automóveis dos Corretores de Seguros, mas, na verdade, os Bancos é que recuaram. Perceberam que o seguro de automóvel traz muito trabalho para a agência e focaram a venda de seguros de vida e previdência nas agências, entregando agências para corretores. Além disto, as seguradoras ligadas aos Bancos forçaram suas redes de agências a praticar preços semelhantes aos oferecidos pelos Corretores de Seguros para atrair a produção dos corretores e atingir os consumidores que não eram clientes de seus bancos. No caso das Insurtechs isto não acorre. A Insurtech vai operar sempre com preço como principal atrativo para a contratação pela internet. Contratar diretamente com a Seguradora, mesmo pela Internet, dá trabalho para o cliente e ele só vai contratar com a Insurtech se o preço for mais barato. É como posto de gasolina self service, por que alguém vai encher o tanque em um posto self service se o preço do combustível no posto com frentistas é o mesmo? Além disto, é importante compreender que, para as Seguradoras tradicionais, a corretagem é um custo fixo de angariação. Ela está embutida em todas as apólices. Para as Insurtechs os investimentos em tecnologia para a contratação pela Internet serão proporcionalmente decrescentes à medida que a carteira da Insurtech cresce. No início o custo dos investimentos em tecnologia e divulgação da Insurtech é maior que da corretagem de seguros. À medida que a carteira da Insurtech cresce, o custo da tecnologia e divulgação vão se tornando proporcionalmente menores em relação aos prêmios cobrados, podendo tornar as Insurtechs muito competitivas. Lembrem-se que o custo da angariação de negócios através dos Corretores de Seguros acarreta também um custo comercial para as Seguradoras que precisam manter equipes para atender os corretores, empregados ou plataformas. Tudo isto pesa no custo final do seguro e as Insurtechs não pagam corretagem nem salários para equipe comercial. Para se ter uma ideia comparativa, as Seguradoras europeias que comercializam através de Call Center (0800) conseguem tem um custo de angariação e divulgação da ordem de 6% do valor dos prêmios cobrados, bem menor que o valor gasto com comissões de corretagem e despesas com a sua equipe comercial (da ordem de 20 a 25%). Portanto, o sucesso das Insurtechs exige investimento, mas pode dar certo quando atingir o equilíbrio financeiro.    

d) Seguradoras com produtos alternativos

d1 – Seguros por assinatura – Já saíram algumas novidades como os seguros por assinatura, que se propõem a ser mais baratos e simples (seguindo o modelo das TVs a Cabo e telefonia celular). A venda de uma apólice com custo anual de R$ 2.000,00 é muito mais difícil do que a adesão a uma assinatura mensal de R$ 150,00. A eliminação da renovação anual deve ser um problema futuro para os Corretores de Seguros, como aconteceu com o seguro saúde, em que se paga apenas agenciamento na maioria dos casos. Na Europa, muitas Seguradoras só pagam para seus agentes agenciamento sobre os novos seguros de automóveis.

d2 – Seguros de Frotas – As apólices “blankets” para frotas podem ser uma alternativa para este setor da economia (frotistas e transportadoras). Não compensa para uma empresa que tem centenas de veículos, contratar apólices individuais para cada veículo. Isto é muito trabalhoso e caro. A contratação de apólices dando cobertura para a frota inteira com limite único de garantia e uma franquia agregada anual correspondente à sinistralidade regular pode ser a forma das Seguradoras e Corretoras de Seguros competirem com as APVs.

As Seguradoras e Corretoras de Seguros não devem esperar que o Governo as proteja contra estas novas tendências porque, na verdade, o aumento da concorrência é bem-vindo e necessário para criar alternativas acessíveis aos brasileiros que possuem carros e precisam de alguma proteção. Em 2022 mais de 120.000 veículos foram furtados ou roubados só no Estado de São Paulo. Isto explica o porquê de o Governo ter feito mais ações visando ajudar as APVs do que as inibir. O Judiciário também tem reconhecido o papel da APVs. A SUSEP vem empurrando o SandBox. Portanto, o Governo está atuando para mudar e não para proteger.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui