É o fim das seguradoras como conhecemos?

A disrupção vai acontecer, mas ao estudar onde estamos, esse futuro me pareceu mais distante do que eu havia imaginado

Olá, seja bem-vindo ao nosso papo de domingo sobre tecnologia e investimentos.

Falamos muito sobre a briga entre os grandes bancos e as fintechs. 

Especulamos se, no final das contas, o Itaú vai comprar todo mundo ou se teremos realmente uma revolução, migrando nossos ativos e passivos dos bancos tradicionais para empresas que sequer estão no ecossistema financeiro, como Magazine Luiza, Mercado Livre, Americanas e outros.

Essa é uma discussão encerrada na Ásia, onde os Super Apps venceram. 

Nos EUA, PayPal e Square nadam de braçada, tendo conquistado em 5 anos o número de clientes que o JP Morgan precisou de 25 anos e muitas aquisições para alcançar.

Se o mundo nos serve de parâmetro, sabemos onde apostar no Brasil. 

Porém, gastamos um tempo inversamente proporcional analisando outro segmento do ecossistema financeiro em brutal transformação, os seguros.

Porto Seguro e a maldita apólice do meu carro

Por mais que eu me revolte todos os anos, existe pouco que eu possa fazer relacionado ao valor da apólice do meu carro.

Por mais estranho que pareça, o valor final da minha apólice depende menos de mim do que eu gostaria. 

As seguradoras são modelos de negócios centenários. Você deve desconfiar, não existiam bancos de dados relacionais no começo do século XX, mas existiam seguradoras. 

Na ausência de dados, seus modelos foram alicerçados sobre os princípios da estatística e da atuária. 

Mais precisamente, sobre a “lei dos grandes números”. 

Para entender a lei dos grandes números, pensemos num cara ou coroa. 

Sabemos que existem apenas dois resultados possíveis, cada um com 50% de probabilidade de ocorrência. 

Porém, se eu jogar a moeda apenas quatro vezes, pode ser que saiam quatro caras, e não duas coroas e duas caras.

Mas caso eu jogo essa maldita moeda umas dez mil vezes, provavelmente os resultados serão próximos de 50/50. 

Essa é a lei dos grandes números: quando os eventos são repetidos à exaustão, as probabilidades se impõem.

No caso da seguradora, é mais interessante oferecer 2000 apólices de R$ 100 do que uma única apólice de R$ 20.000. 

Uma única apólice está sujeita à aleatoriedade; no caso de 2000, provavelmente a lei dos grandes números fará o seu trabalho.

O papel dos dados

Apesar de não saber se eu dirijo ao celular ou não, a Porto sabe que eu tenho 26 anos, sabe minha renda, onde eu trabalho e conhece meu histórico no Detran. 

Para precificar o seguro, ela me “clusteriza” com pessoas de perfil social parecido. É uma aproximação boa e até certo ponto democrática. 

Por que democrática?

Se a Porto conseguisse acessar um conjunto de dados que definissem quem eu sou enquanto indivíduo (por exemplo, minhas redes sociais) ela poderia precificar o “Richard” e não um cara de 26 anos típico. 

Em alguns casos, isso implicaria num seguro extremamente mais barato. Em outros, naturalmente, um seguro muito mais caro. 

No limite, uma seguradora 100% baseada em dados, tende a expulsar de sua base quaisquer indivíduos com maior propensão ao “sinistro”. 

No limite, teríamos um mercado de seguros em que apenas quem não precisa de seguros estaria elegível a um seguro.

Esse é o futuro?

Em 2020, tivemos o IPO de algumas “insurtechs” nos EUA. 

Essas empresas são startups de seguros focadas nesse modelo de precificação granular, sustentado por dados, que mencionei acima. 

Recomendamos uma delas, inclusive, aos membros do nosso Empiricus FIRE®, que estão ganhando +120% desde o ano passado.

Mas seus modelos de negócios ainda parecem longe de serem comprovados. 

Estudando no detalhe o modelo de negócios de uma delas, que em teoria, é quase 100% baseado em dados individuais, não pude deixar de notar a semelhança com a precificação da Prudential, a “Porto Seguro” dos EUA. 

Se eles tinham os dados, essas informações geraram um equilíbrio inferior, uma precificação simplesmente pior do que a tradicionalmente utilizada pelas seguradoras há décadas. 

Quanto mais eu me aprofundo no tema, quanto mais insurtechs eu estudo, mais me convenço de que disruptar o mercado de seguros é ordens de magnitude mais complicado do disruptar o mercado bancário.

A briga aqui é muito mais complexa do que a burocracia típica dos bancões e suas taxas abusivas.

O mercado de seguros é extremamente competitivo, os preços são baixos e por mais burocrático que seja, nunca ouvi falar de uma seguradora cobrando taxas “facultativas” de seus segurados. 

Na Europa, por exemplo, as grandes seguradoras mantêm suas operações rodando a margens próximas a zero; a única fonte de rentabilidade do negócio vem dos investimentos gerados a partir do float (a grana que fica parada no intervalo entre o pagamento do seguro, que é imediato, e o sinistro, que pode acontecer no futuro). 

A disrupção vai acontecer, mas ao estudar onde estamos, esse futuro me pareceu mais distante do que eu havia imaginado.

É como diz Haruki Murakami: olhando de longe, todas as coisas são bonitas. 

Por isso, gosto da ideia de manter no meu portfólio um combo: de um lado, as incumbentes, do outro lado, as desafiantes. Dois gols de bico valem mais que um golaço de bicicleta.

Escrito por Richard Camargo, blog Estrada do Futuro, 21/02/2021.

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