Nelson Fontana, Advogado e Corretor de Seguros

Nelson Fontana, advogado e corretor de seguros

O Jornal O Estado de S. Paulo publicou no dia 17 de novembro último uma matéria sobre a venda da AMIL, dizendo que “A Bain Capital está despontando como uma das favoritas para levar a Amil da United Health Group (UHG), gigante norte-americana de saúde que, após onze anos, desistiu da operação brasileira. O grupo brasileiro fundado pela família Bueno nos anos 1970 foi comprado pela UHG por R$ 6,5 bilhões em 2012. As ofertas não vinculantes agora circulam em torno de R$ 10 bilhões, segundo fontes. O Broadcast apurou que o contrato de venda não oferece compensação ao enorme passivo dos planos individuais, modelo que dilapidou o resultado da Amil até aqui. No ano passado, a Amil registrou um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões. A Bain, por sua vez, teria condicionado sua oferta a um tipo de “devolução” para a UHG dos planos individuais, caso não consiga vendê-los de forma segregada. ”

Traduzindo em miúdos, a AMIL está sendo vendida e o grupo que fez a proposta já viu que dentro da carteira de negócios da AMIL existe uma “bomba” formada pelos planos individuais que representam um enorme passivo. Os planos individuais que compõem a carteira da AMIL devem estar gerando um enorme prejuízo possivelmente porque as parcelas vêm sendo reajustadas sob o controle da ANS e, obviamente, foram insuficientes para arcar com o aumento dos custos com o pagamento dos serviços médicos utilizados pelos usuários dos planos. Apesar da ANS considerar a variação dos custos médicos, que é muito superior à inflação, a medicina não tem limites de custos. Enquanto houver quem pague, os custos sempre subirão, adotando-se a cada dia novas técnicas mais eficientes e muito mais caras. Todas tentativas da AMIL, tal como todas as outras Operadoras, de controlar os gastos estão sendo destruídas pela ANS, pelo Congresso Nacional que interfere até nas listas de procedimentos cobertos e, principalmente, pelo Judiciário que vem assegurando que as Operadoras sejam generosas com os usuários, sem considerar que se trata de generosidade com dinheiro alheio, afinal as Operadoras não pagam com dinheiro próprio e sim com o dinheiro do grupo de segurados, e esta generosidade imposta pela ANS (Executivo), Legislativo e Judiciário é, em grande parte, responsável pelo preço absurdo que todos têm que pagar pelos seus planos de saúde atualmente. 

Pelo texto da notícia do Jornal, a compradora “teria condicionado sua oferta a uma devolução dos planos individuais para a UHG, caso não consiga vendê-los de forma segregada. ” Vejam, portanto, que a compradora deixa claro que sabe que existe uma bomba dentro da carteira de clientes da AMIL, pretende comprar assim mesmo, procurando depois algum Grupo “criativo” que se disponha a comprar a carteira de seguros individuais e, se valendo de técnicas que ela, Bain Capital, não conhece ou não acha adequado (ou ético) adotar, consiga rentabilizar a parte “podre” da carteira da AMIL. Se não achar nenhum “expert” em tirar leite de pedra que se interesse em ficar com a carteira de seguros individuais, a atual proprietária da AMIL (UHG) teria que aceitar “de volta” esta carteira deficitária.

Já vimos coisas semelhantes em outras operações de fusão e aquisição de empresas do ramo de saúde complementar. São conhecidos casos em que as carteiras de apólices individuais foram “vendidas” para terceiros com pagamento feito pelo “vendedor”. Isto mesmo. Operadoras entregam de graça sua carteira e pagam para alguém ficar com aquela bomba. Quem compra vai ter que se valer de técnicas mágicas para rentabilizar o negócio ou convencer os usuários a cancelar seus seguros (que, pela lei, não podem ser cancelados unilateralmente).

Quem conhece o ramo sabe que já foram usadas técnicas mágicas pouco transparentes e um tanto duvidosas para rentabilizar estes planos deficitários ou extingui-los (fazer o “run off” de carteiras), como reduzir drasticamente a qualidade da rede credenciada, cancelar seguros após 24 horas de atraso no pagamento da parcela ou criar exigências e dificuldades para procedimentos irritando os usuários e estimulá-los a cancelar seus seguros. A ANS tenta coibir estas práticas, mas sempre surgem outras mais criativas.

O fato é que estamos tapando o sol com a peneira. Para o “Sistema de Saúde Complementar” atender seu objetivo de oferecer recursos para a população ter acesso aos serviços particulares de médicos, clínicas e hospitais, desafogando o SUS que está saturado e prestando um serviço que varia de razoável à péssima qualidade, dependendo da região, o Mercado de Seguros tem que oferecer à população planos individuais e planos empresariais, mas os planos individuais atuais foram concebidos com cunho ideológico de limitar o lucro sobre uma atividade relacionada à vida e saúde humana.

Mas, da mesma forma como nós, os corretores de seguros, queremos o melhor para os nossos clientes, sabemos também que não podemos matar a galinha dos ovos de ouro, as seguradoras. Existe um limite. Não podemos fazer uma coisa ser tão boa para o segurado que faça com que as Seguradoras percam o interesse de garantir e passem a ver o negócio como um prejuízo certo. O mutualismo é uma técnica que permite ao Segurador compensar o prejuízo de poucos com o dinheiro arrecadado de muitos. Mas se todos são “riscos ruins” não como compensar. Na verdade, o que estamos vendo é que as outras modalidades de seguro saúde, grupais e empresariais estão tendo que compensar as perdas da carteira de seguros individuais. Todas operadoras já tentaram rentabilizar carteiras de seguros saúde individuais sem sucesso, ainda que existam algumas que adotam certas práticas para perder menos, como aquelas que tem controle absoluto sobre os serviços prestados por rede própria.

A grande maioria das Operadoras já pararam de operar no ramo individual. Só querem saber de grupos empresariais, apólices grupais estipuladas por entidades de classe ou planos PME, onde conseguem corrigir adequadamente os valores arrecadados e cancelar unilateralmente apólices que entendem ser riscos ruins. Enquanto a ANS limitou o reajuste dos planos individuais, os empresariais foram reajustados por percentuais muito maiores, os grupos associativos também e, os que foram mais reajustados foram os PME, justamente os que tem menor poder de negociação. 

O atual projeto de seguros individuais FRACASSOU. Em outros ramos, como automóveis e seguros patrimoniais, seguros individuais funcionam bem, mas as seguradoras têm liberdade para taxar, estipular clausulados e coberturas, aceitar, declinar, cancelar, renovar ou não. Um Ministro de Estado, no passado, achou que no ramo de Saúde, não seria correto deixar as seguradoras fazerem o que querem com os doentes e enfermos. E criou um produto “social” cheio de limitações. Para fugir deste produto, os seguradores (e o Mercado) criaram produtos como as apólices coletivas de adesão individual ou os PME falsos que protegem famílias que deveriam estar em apólices individuais, deturparam completamente o mercado com estes produtos que são verdadeiras jabuticabas, gambiarras desenvolvidas para se operar no ramo individual sem cair na lei que os regulamenta. E provaram que estavam certos, apesar da bagunça que isto criou no Mercado.

O fato é que políticos e técnicos do Governo não entendem de seguros. O resultado é que o Seguro saúde individual é um péssimo produto tanto para o Mercado como para o usuário que é tratado como um “passivo financeiro”. 

Temos que acabar com a atual regulamentação do seguro saúde individual e deixar as seguradoras e operadoras desenharem produtos com mais criatividade, usando experiências internacionais, novos produtos, exigindo-se apenas que haja transparência. Um seguro barato certamente terá limitações. Comprar um seguro barato sabendo que ele tem limitações não é um problema. O problema é descobrir que existem limitações “na hora do sinistro”. A regra internacional é: liberdade com transparência (ou liberdade com responsabilidade). Os Seguradores devem ter liberdade para criar seus produtos. Se fizerem produtos muito ruins simplesmente não vão vender. Os segurados não são bobos e com o tempo os corretores de seguros vão orientando seus segurados mostrando que alguns produtos são muito ruins. Lembro de um seguro residencial sem a cobertura de roubo que era vendido em agências bancárias. Era tipicamente um produto que só agradava à seguradora e era vendido na rede do banco ligado àquela seguradora. Após algum tempo todos estes clientes perceberam que era um produto ruim e a seguradora teve que mudar seu produto.

Por outro lado, pensem nos produtos oferecidos pelas empresas de rastreamento que competem com o seguro automóvel oferecido pelas seguradoras. Oferecem coberturas mais restritas e são mais baratos. Se o segurado sabe o que está comprando, não há critica a ser feita.

As Seguradoras podem desenvolver produtos com liberdade, mas estes produtos devem ser transparentes e o cliente tem que declarar expressa, clara e previamente que sabe quais são as limitações e exclusões de seu seguro ou plano. Se estamos tratando de um produto sensível como o seguro saúde, que vai ser usado numa hora delicada na vida do segurado, com ele carente, doente e, às vezes, desesperado, a resposta não é “ele tem que ter todos os recursos da medicina à disposição dele, com o melhor tratamento e os melhores médicos e hospitais”. Este pensamento é utópico, falso e ignora que alguém tem que bancar este custo. Se ótimos tratamentos pudessem ser pagos por grupos de pessoas com poucos recursos, teríamos descoberto a solução dos problemas do mundo. Vejam os países com grande desenvolvimento social, com medicina socializada, com acesso bom e fácil a tratamentos para todos cidadãos. Eles têm recursos limitados. Estados socialistas dão a melhor medicina “que o Estado consegue financiar”. Lembro nos anos 80, quando trabalhava em Londres, em uma corretora do Lloyd’s, uma obturação do meu dente caiu. Quando perguntei a um colega se poderia me indicar um dentista ele me contou que a odontologia na Inglaterra era socializada e as pessoas não deveriam ir a um dentista de sua escolha, mas ao dentista do Governo, responsável pela região do domicilio do paciente. As empresas com muitos funcionários tinham um gabinete odontológico à disposição de um dentista do Governo. O tratamento era gratuito. Marquei hora com o dentista oficial no gabinete na empresa onde trabalhava. Ao ser atendido o dentista ficou surpreso e manifestou um certo desgosto com meus dentes. Eu tinha várias incrustações de ouro nos dentes feitas pelo meu tio dentista aqui no Brasil. Ele me perguntou: Você tem ouro na boca e mora num país onde crianças morrem de fome? Não lembro o que respondi, mas ele colocou uma obturação de amálgama na minha boca que, já consultei, é um método simples e barato.

Portanto, não podemos querer que todos os planos de saúde oferecidos à população sejam como meu tio que colocava incrustações de ouro nos meus dentes. Para quem só pode pagar por obturações de amálgama este plano atende perfeitamente e não vai deixa-lo sem tratamento. Não podemos continuar com Executivo, Legislativo e Judiciário determinando que as seguradoras cobrem menos do que precisam ou que coloquem incrustações de ouro em planos que foram atuarialmente projetados para obturações com amálgama. 

E os pontos delicados têm que ser enfrentados nos clausulados. A exclusão ou suspensão temporária de doenças pré-existentes na contratação. A não renovação de apólices por decisão unilateral da Seguradora. Estes, por exemplo, são pontos especialmente delicados, principalmente o caso de não renovação de seguros com pacientes em tratamento. Este assunto tem que ser claramente tratado nas condições das apólices. Uma vez diagnosticada a doença e iniciado o tratamento, o sinistro está caracterizado ou não? Pode a seguradora interromper o custeio de tratamento em andamento? Isto tem que estar previsto no clausulado da apólice porque é um assunto que vai gerar problemas no uso contínuo destes seguros. As seguradoras devem ter liberdade para desenhar seus produtos, mas terão que fazê-lo com responsabilidade e transparência. Se abusarem de sua liberdade, vão encontrar resistência dos consumidores e sempre haverá um controle de abusos feito pelo Judiciário. Mesmo que as seguradoras tenham liberdade, não quer dizer que o Judiciário não vai coibir o desrespeito aos cidadãos. Temos que confiar nas instituições e deixar o Mercado amadurecer e desenvolver seus produtos. O Estado pode cuidar bem mas pode atrapalhar muito. É o que temos visto no ramo de saúde complementar.

Escrito por Nelson Fontana, advogado e corretor de seguros. [email protected]

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