O escritor Yuval Harari em seu livro “Sapiens” afirma que uma característica muito marcante dos seres humanos, que os distingue dos animais, é a capacidade de criar e acreditar em ficções. Professor de história, ele passou grande parte da vida pesquisando e ensinando fatos históricos que a humanidade simplesmente ignora, preferindo acreditar em narrativas ficcionais inventadas, reescritas, repetidas milhões de vezes e a humanidade acredita nelas como se fossem verdades inquestionáveis. Para identificarmos algumas destas “verdades fictícias” basta imaginar que a humanidade venha a ser extinta no futuro, por uma catástrofe biológica, colisão de asteroides ou outra causa e ver que certos fatos, tidos como “verdades”, simplesmente desapareceriam com ela, porque eles “não existem” na realidade. São narrativas ficcionais inventadas coletivamente por mentes humanas. Entre outras, Harari cita as Religiões, a Justiça e as Nações como exemplos destas ficções coletivas criadas pelas mentes humanas.
Esta capacidade de criação destas “narrativas ficcionais” foi multiplicada ao infinito no século XXI, com o surgimento das mídias sociais. As pessoas acreditam no que leem baseadas em “quem escreveu” e não prestam atenção na argumentação e se ela está fundamentada em fatos verdadeiros ou inventados. Se quem escreveu é “um dos nossos”, é verdade. Se é “um dos deles” é fake. Como senso critico é coisa rara e, convenhamos, é preciso ter bagagem cultural e discernimento para analisar o mundo de informações que recebemos diariamente, o critério mais usado é a origem da informação e se a versão coincide ou não com nossa linha de pensamento.
Este cenário abriu espaço para o fenômeno da “pós-verdade”, definido como “Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais.”
Com a “democratização” da informação massiva, ou seja, a possibilidade de “influenciadores digitais”, a partir de seus celulares ou note books, passarem a competir com jornais tradicionais, que adotam ou deveriam adotar critérios éticos para a obtenção e divulgação de informações, a humanidade passou a ser bombardeada por manifestações de opinião (o que é um direito) mas lastreadas em fatos criados ou distorcidos ao gosto do “influenciador”. Com a dificuldade ou até impossibilidade de se conferir a veracidade dos fatos citados, comunidades adotam o critério da confiança em quem disse, sem questionar o fato e reproduzem aos milhares entre grupos e seguidores, criando marés de indignação, revolta ou espanto sem que as pessoas sejam capazes de perceber que estão sendo manipuladas e, acreditem, todos nós estamos sendo mais ou menos manipulados.
O Dicionário americano Merriam Webster escolheu a palavra do ano 2022 nos Estados Unidos: “Gaslighting”, definida como: forma coloquial de se referir a táticas e truques usados para que uma pessoa duvide da sua própria realidade e questione o que sente, acredite e faz”.
A expressão vem de uma peça de 1938 chamada Gás Light em que um marido manipula a mente de sua esposa até ela acreditar que está louca e entre seus truques, está a iluminação a gás que ele adultera para fazê-la acreditar que acendem e apagam sozinhas.
Entre as táticas usadas por esses “manipuladores de mentes” estão as constantes mentiras, contradições, confusões e ceticismo sobre verdades, substituindo por narrativas falsas. 2022 foi o ano da pós verdade, principalmente na política, visto que em religião isto não é novidade. O fato é que esta manipulação está no cotidiano das pessoas, mas tão solidificadas que até os próprios criadores acreditam naquilo que inventaram. Na politica vimos multidões embarcando em realidades criadas por partidos políticos, marketeiros eleitorais e redes de rádio e TV politizadas. Os americanos estão assustados com a capacidade das mídias criarem correntes politicas fanatizadas e messiânicas, ao ponto de “gaslighting” passar a ser considerado uma prática criminosa.
Mas, para nós os corretores de seguros, se tal fenômeno é tão presente no nosso cotidiano sem que percebamos, como podemos acreditar no que lemos diariamente sobre nossa atividade profissional? Nosso mercado segurador está passando por mudanças e recebemos diariamente mensagens de seguradores e sindicatos afirmando teses e teorias que podem nos prejudicar ou nos beneficiar sem termos condições de averiguar se são manipulações comerciais ou fatos verdadeiros. Desta forma, portanto, precisamos estar atentos para as evoluções para não sermos surpreendidos com realidades completamente distintas daquelas que estão tentando nos convencer.
Existem algumas fórmulas que podem nos ajudar a analisar se uma informação “pode” ser fake ou verdadeira. Pergunte-se antes de acreditar numa notícia: Quem está dizendo isto ganha seu sustento com o fato de seus seguidores, leitores ou colegas acreditarem naquilo que ele está dizendo? O cargo que ele ocupa o “obriga” a dizer aquilo? Os fatos citados podem ter sido distorcidos ou inventados? Será que o fato que ele cita não fazia parte de um outro contexto e somente uma parte foi tirada e é exatamente o que interessa a quem está divulgando? Em suma: Exercícios de crítica. Sem isto, fica cada vez mais difícil inovar e aproveitar oportunidades verdadeiras, separando-as das falsas que só vão nos levar a uma enrascada (pense naquela moda que apareceu há alguns anos de se montar lojas para vender “paletas mexicanas”. No meu bairro montaram 5 ou 6 lojas. Todas faliram em menos de um ano). E fiquem atentos quando alguém fala “Seguro, só com corretor de seguros”. Pode ser o canto da sereia, alguém querendo que você baixe a guarda.
Escrito por Nelson Fontana, Corretor de Seguros e advogado – [email protected]
