Nelson Fontana, corretor de seguros e advogado

Mercado de Seguros vem se debatendo há anos na tentativa de impedir que as Cooperativas ou Associações de Proteção Veicular operem fazendo concorrência com as Seguradoras. Apesar das centenas de ações judiciais comandadas pela SUSEP e pelas Federações de Seguradores e Corretores, as APVs Associações de Proteção Veicular continuam em operação, com mais de 600 APVs operando em todo Brasil, estimando-se que já protejam uma frota de quase cinco milhões de veículos. As ações contra APVs que divulgam seus serviços como se fossem “seguros” estão sendo punidas pela Justiça, visto que o que as Cooperativas não são Seguradoras e o que elas oferecem aos seus associados é “Ajuda Mútua” ou “Proteção Veicular”, um sistema mutualista de rateio de perdas entre seus cooperados. Pelo sistema de Proteção Mútua o cooperado faz um depósito e os valores arrecadados serão usados para pagar as perdas dos cooperados que tiverem perdas como acidentes, furto ou roubo de seus veículos. Se a arrecadação foi maior que a necessária, a Cooperativa distribui as sobras, se foi aquém da necessária, a Cooperativa faz uma arrecadação complementar para equilibrar as contas. Isto é comum na Europa, principalmente entre armadores, com os P&I Clubs. Muitas seguradoras europeias são ou se originaram como mútuas, algumas operando no Brasil. 

Os esforços das entidades do Mercado de Seguros conseguiram coibir que as APVs divulguem seus serviços “como se fossem seguros”, mas as decisões judiciais reconhecem que “o serviço de rateio de perdas entre associados não se enquadra como produto securitário”. 

Recentemente uma decisão do STF, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, considerou inconstitucionais duas leis estaduais que regulamentavam a atividade das Cooperativas e Associações de Proteção Veicular. Para o Mercado de Seguros esta decisão foi comemorada como uma grande vitória, mas um olhar mais atento mostra que a decisão do STF não declarou ilegal “a operação das APVs”, como o Mercado de Seguros gostaria. Declarou inconstitucionais as leis estaduais 20.894/20 GO e 9.578/22 RJ que regulamentavam a atividade das APVs porque a matéria de Direito Civil não pode ser regulada por Lei Estadual, tratando-se de matéria cuja competência para legislar é exclusiva da União. Portanto é uma decisão que atinge as Leis Estaduais, o que só demonstra que a situação estava pior do que se imaginava. A atividade da APVs, enquanto restritas a “ajuda mútua”, não só vem sendo aceitas por não se enquadrarem como produto securitário, como também estavam sendo reguladas por Leis Estaduais, agora declaradas inconstitucionais porque a matéria não é da competência das Assembleias Legislativas Estaduais.    

O fato é que as decisões da Justiça estão considerando que a atividade das Cooperativas tem fundamento legal e que as Cooperativas prestam um trabalho que beneficia a sociedade, atingindo rincões aos quais os Seguradoras não chegam e viabilizam a proteção a segmentos que não eram atendidos pelo Mercado de Seguros.

Quem conhece o Mercado de Seguros sabe que as sete ou oito Seguradoras que controlam o mercado de seguro de automóveis no Brasil focaram, nas últimas décadas, as apólices individuais garantindo veículos leves com até 10 anos de fabricação, sem se preocuparem em desenvolver produtos viáveis para frotas grandes, caminhões, motos e veículos mais velhos. As APVs identificaram este nicho de mercado e, baseadas na lei das Cooperativas que expressamente autoriza que as Cooperativas podem adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade (artigo 5º da Lei 5764/71) começaram a oferecer “proteção veicular” ou seja rateio mutualista de perdas para as frotas de caminhões, daí passaram para os veículos velhos e agora estão atuando também no segmento de veículos novos e seminovos, concorrendo com as Seguradoras.

A novidade agora é que o Ministério da Economia, portanto, SUSEP e Governo Lula, enviaram ao Congresso um projeto de lei que pretende alterar o Decreto Lei 73/66 no seu artigo Art. 24, que prevê que só podem operar em seguros privados Sociedades Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas, e em seu Parágrafo único, estabelece que as Sociedades Cooperativas operarão unicamente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho. O projeto de lei visa possibilitar que as Cooperativas possam operar em todos os ramos de Seguros.

Com isto o Mercado reconhece que as Cooperativas se tornaram um segmento forte e expressivo demais para ser combatido na Justiça. As APVs têm capilaridade e oferecem condições melhores que o Mercado de Seguros para as frotas, taxis, motos e carros mais antigos, com melhores serviços nas comunidades mais afastadas dos grandes centros. Uma das condições que proporcionaram esta competitividade às APVs é exatamente o fato delas não serem seguradoras, podendo operar, com menos segurança, é verdade, em pequenos nichos e localidades menos assistidas, como ocorre com as Cooperativas de Crédito, que não são bancos. Algumas tiveram seus problemas, outras quebraram, mas atendem hoje cidades não servidas pela rede bancária ou grupos de afinidades como as Cooperativas de Crédito dos Corretores de Seguros.   

Com este projeto de lei o Mercado pretende legalizar as Cooperativas fazendo-as concorrer com as Seguradoras em igualdade de condições. Ao passarem a operar em “seguros” nos termos do Decreto Lei 73/66, elas passariam a estar sujeitas à fiscalização da SUSEP e teriam que operar com proteções, reservas e outras exigências como as Seguradoras. Portanto, o que o Mercado quer é que as Cooperativas virem Seguradoras, na forma de Cooperativas em vez de Sociedades Anônimas, mas com operações iguais.

Obviamente as Cooperativas podem considerar isto como uma “armadilha”. As Cooperativas são competitivas porque não possuem obrigações que as Seguradoras possuem. A exigência de Capital, reservas, limites técnicos, fiscalização pela SUSEP encarecem o produto. Claro que são exigência feitas em proveito da segurança dos segurados, mas o que está em jogo é a competitividade das Cooperativas. Todos sabem que as pequenas seguradoras não conseguem ser competitivas no Brasil. As grandes Seguradoras possuem massas seguradas que desequilibram a concorrência. Isto ficou comprovado quando as “Direct Lines”, seguradoras que operam através de Call Center, com grande sucesso na Europa, tentaram entrar no Brasil no final do século passado e início do atual, mas viram que havia uma concentração de Mercado no Brasil que dificulta muito o surgimento de novas seguradoras, que começariam com pequenas carteiras, sem capacidade de administrar o custo do sinistro como as grandes. As sete ou oito grandes Seguradoras além de controlar mais de 90% da frota segurada, controlam praticamente 100% do lucro no segmento de seguro automóvel.

Mas o mundo está mudando e as Cooperativas operando como Mútuas e as novas “eSeguradoras” (Seguradoras 100% digitais) são ameaças à operação tradicional das Seguradoras. Basta ver como as grandes Seguradoras estão enxugando seus custos, reduzindo equipes e escritórios de filiais, o que mostra que elas estão se sentindo ameaçadas pelas novidades.

Salvo engano, as Cooperativas (APVs) devem resistir à possibilidade de se transformarem em Seguradoras. O diferencial delas é serem competitivas mesmo pequenas, não terem os mesmos custos que as Seguradoras possuem, operarem em nichos regionais como localidades com grande concentração de Transportadoras, por exemplo, ou regiões mais afastadas onde não compensa às Grandes Seguradoras manter estruturas para atendimento, aceitação e regulação de sinistros.

Se as Cooperativas tiverem um pouco de visão técnica, o que acredito que possuem, elas verão que seus associados precisam de alguns serviços que não podem ser protegidos pela “proteção mutualista”. Os grupos de associados são pequenos para suportar o rateio de riscos com alto potencial de danos. Alguns riscos envolvem valores que criam pontas no gráfico de riscos assumidos pela mutualidade que podem comprometer toda a estabilidade financeira do grupo. Isto sem falar nos associados que precisam de proteção para o patrimônio e responsabilidades com valores altos. Isto tem que ser protegido por seguros comuns. O Mercado de Seguros quer que as cooperativas virem seguradoras para poderem atender a todas as necessidades de seus cooperados ou associados, mas elas podem fazer isto como cooperativas, simplesmente mantendo uma corretora de seguros no grupo, oferecendo os seguros que atendem melhor que a proteção mutualista ou, ainda, fazendo convênios com Seguradoras que passariam a oferecer todos os seguros que complementam os serviços das APVs, remunerando a Cooperativa na forma de corretagem de seguro, por exemplo, como fizeram as empresas de rastreamento de veículos que, para oferecer determinadas proteções, fizeram convênios com Seguradoras, oferecendo serviços “mistos”, meio proteção meio seguro.

O fato é que as Cooperativas continuam crescendo, como comprova o otimismo do cantor Gusttavo Lima, que participa de uma Associação de Proteção Veicular em Minas Gerais que tem 6.000 funcionários e mais de 200.000 associados e, recentemente, divulgou que abriu vagas para mais 1.000 funcionários. Alguém conhece alguma Seguradora ou Corretora que está recrutando 1.000 colaboradores? É isto aí. Se não conseguimos combate-los é melhor nos unir a eles.

Escrito por Nelson Fontana, advogado e corretor de seguros, em 07/05/2023.

15 COMENTÁRIOS

  1. Boa noite dr, sempre debatemos e usamos do artifício que não se trata de seguro. Consequentemente não está amparado pela Lei, contudo este mercado de associações e cooperativas tem crescido devido a prática de altos valores pelas companhias seguradoras.
    Após a pandemia houve alta no preço dos veículos e a escassez de peças e componentes, foi usado desta informação para ocorrer o reajuste dos valores cobrados pelos seguro auto. Mas já temos quase dois anos deste fato e os preços continuam a subir fortemente.

    Neste cenário a associação ou cooperativa não precisa nem fazer força para crescer a cada dia, infelizmente.

    • Obrigado Cláudio. Acho quexum bom tema agora é analisar a seriedade das operações das Associações. Onde, no mundo, existem seguradoras formadas como Associações? Mútuas e Cooperativas dá pra compreender mas Associações? Estranho, não?

  2. Tenho seguro em meus carros desde 23 anos, isso é nesses 30 anos nunca vi subir tanto o seguro ja estou analisando deixar fazer seguro, pq em 2021 paguei 1.600 de uma duster 2021, em 22 foi para 2.500, e em 23 3.450 não vejo justificativa para subir tanto!

  3. Boa tarde, eu acho que tm espaço pra todos, incluindo novas leis para cada segmento, gerando a livre concorrência!

    • Francisco. Obrigado pelo comentário. Acho que temos que rever as operações das “Associações”. Uma mútua operar em proteção entre os cooperados faz sentido. É estranho, no entanto, que operem como Associações. É um bom caminho para discutir o assunto seriamente

  4. O seguimento de cooperativista na sua essência, não tem igual para os seus associados, se nós tivéssemos a visão real do mutualismo e como devesero funcionamento de uma cooperativa. O que se ver, são as pessoas principalmente os seus diretores, querendo se dá bem, em relação a outra. As cooperativas, tem sua lei específica, a partilha do ônus e do bônus.
    Alguém já recebeu bônus dessas cooperativa de proteção veicular? Desconheço. Então, o erro já está aí. Pessoas falam como se a cooperativa fosse dele. Uma cooperativa tem seu diretor Presidente e demais membros da diretoria e seus conselho fiscal, que geralmente não fiscalizam nada. O sistema cooperativista e de associação brasileira, assim como Sindicatos e outras agremeações, é uma vergonha, em quase sua totalidade. Todos (cooperativa, associações, agremeações, Sindicatos e afins), poderão até ser necessário(a)s, eu acredito que sejam. Mas, não funcionam da forma que deve ser. Então, porque confiar num sistema falido e desacreditado, Dr. Nelson Fontana? Ainda tem quem acredite, por não conhecer o seu funcionamento.
    Faça uma pesquisa quantos associados conhecem um funcionamento de uma cooperativa. Os seus dirigentes, blidam a entidade de uma forma que parecer ser um puxadinho da casa dele. O ILEGAL, não deve ser defendido. Deve ser excluído. Muita gente é sócio sem saber que é sócio. As Seguradoras precisam valorizar os Corretores. Isso não fazem. Valorizam bancos, magazinem e etc. O Corretor, precisa entender que se não se unir, será engolido. Ademar Alves – Corretor de Seguros

    • Ademar Gostei do seu comentário. Ontem eu e o Sergio do JNS começamos a juntar material sobre as Associações e Cooperativas. Realmente existem “empresários” montando negócios fingindo ser Cooperativas ou Associações. Acho que este é o tema para estudo

  5. Amigo Nelson, como sempre brilhante nos seus apontamentos, opiniões e análises! Parabéns pelo artigo, muito esclarecedor! Agradeço sempre suas contribuições! Abraços

  6. É interessante ver a tentativa desesperada do mercado de seguros de demonizar as cooperativas! Ao invés de trabalharem para oferecer produtos de seguro mais acessíveis à população, ainda que com limitações, as seguradoras e corretores de seguros insistem em investir na contra-propaganda, apontando para uma suposta ilegalidade das cooperativas. Esquecem, porém, que as cooperativas começaram a surgir no vácuo deixado pelas próprias seguradoras, com seus produtos de seguro cada vez mais onerosos e inacessíveis. Agora, ao verem este espaço ocupado com sucesso pelas cooperativas, querem inviabilizar a sua operação com manobras jurídicas. Em bom futebolês, ao invés de ganharem o jogo no campo e na bola, querem partir direto para o tapetão!
    E o segurado? Como fica nessa história? Que ninguém se iluda que essa choradeira do mercado segurador tem por objetivo resguardar os interesses da população, além dos seus próprios! A preocupação real é apenas com o seu próprio bolso!

  7. Não são as seguradoras que estão buscando prejudicar as associações, é o próprio governo, o órgão regulador do mercado. As regras/normas definidas pela CNSP e fiscalizadas pela SUSEP tem o objetivo de proteger o cidadão. Evitando que o dinheiro do “protegido”/segurado seja roubado, por exemplo, ou que a empresa tenha capacidade econômica para cumprir todos os seus compromissos assumidos. Isso tem um custo, obviamente. Segurança é custoso, mas é preciso no mercado segurador. São eventos inesperados que afetam financeiramente a população e caso uma empresa não cumpra seu compromisso, as consequências são muito ruins. Todas os cálculos atuarias, estatísticos, risco, etc, realizados pelas seguradoras são uma ciência e baseados também no mutualismo, mas existem outros custos atrelados que precisam repassar ao consumidor, ou não tem oferta de serviço. O próprio custo com corretor é um desses, que certamente as associações não possuem. Mas o trabalho realizado pelo corretor na venda e no pós venda são muito importantes. A margem de lucro das seguradoras não é grande e tem diminuído a cada ano em geral, sendo que o ramo de automóveis é um deles. Com o aumento dos preços dos veículos e falta de peças, muitos sinistros abaixo dos 75% estavam se tornando perda total, pois ou o custo para conserto subiu ou não tem peça de reposição. Isso encarece o seguro. Além disso, os valores dos carros também subiu e não desceu, o que encarece o seguro de forma direta. Muitas seguradoras sobrevivem apenas com resultado financeiro dos seus investimentos, pois o resultado técnico (receita vs despesa do produto) não é lucrativo. Por que não afrouxar algumas exigências normativas das seguradoras para reduzir os preços? Faz os movimentos nos dois sentidos. Existem projetos de companhias que buscam atender públicos que hoje não são atendidos no mercado tradicional, e a própria SUSEP criou o Sandbox regulatorio para viabilizar esses novos negócios, com carga de exigências muito inferior e consequentemente, preço mais acessível.

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