Três a quatro mil Associações de Proteção Veicular estão em operação no Brasil, movimentando cerca de R$ 9 bilhões ao ano e, a cada dia vemos novas ações questionando ou validando suas operações.
O Governo de Minas Gerais, por exemplo, regulamentou por lei a operação das Associações de Proteção Veicular em Minas Gerais, instituindo regras operacionais como a equiparação do cooperado ou associado aos consumidores e obrigando a Associação a prestar informações sobre o rateio de despesas, aspecto crucial do sistema cooperativista em que as Associações se baseiam, ou seja, o mutualismo pelo qual os sinistros e despesas serão rateados entre os associados ou cooperados, o que diferencia tais Associações das Seguradoras Sociedades Anônimas que cobram um prêmio de seus segurados e ficam com os lucros ou arcam com os prejuízos sem repassar retroativamente aos contratos em vigor.
As Associações de Proteção Veicular podem ser vistas, como exemplo didático apenas, como um condomínio em que os moradores de um prédio fazem contribuições para uma previsão de despesas mais um fundo de reserva, mas os moradores não têm a garantia de que suas contribuições serão suficientes para o pagamento de todas as despesas, se houver um déficit os moradores deverão fazer um rateio extra para cobrir este prejuízo. Havendo um superávit, este deve ser usado em benefício do grupo.
A lei mineira ao regulamentar as Associações aparentemente reconhece que a operação delas é legítima e não representa uma oferta ilegal de seguro. Entende que a Associação não está oferecendo uma apólice de seguro e sim uma participação em um sistema cooperativista de ajuda mútua com rateio de prejuízos de um grupo.
A CNSEG questionou esta lei, entrando com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF mas perdeu visto que o STF entendeu que o que estava sendo discutido era a legalidade da operação das Associações de Proteção Veicular e não da lei, em si, num processo em que não se deu chance às Associações de Proteção Veicular de se defenderem.
Em sentido oposto, recentemente, um Juiz Federal (2ª Vara de Chapecó) tomou decisão contrária à operação da Associação de Benefícios do Oeste e Região (ABOR) entendendo que “A exploração de seguro travestida de associação, com publicidade contendo informações visando iludir o público, viola diversos direitos do consumidor, dentre os quais o de proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, à informação adequada quanto a cláusulas que implicarem limitação a seus direitos e contra cláusulas abusivas”. Segundo o juiz, embora seja legalmente possível a constituição de “grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”, a associação “não possui natureza de grupo restrito, visto que nela podem se associar quaisquer interessados, permitindo a comercialização do produto de forma abrangente, inclusive com ampla divulgação, do que se deduz que assume o risco contratado como se fosse uma típica sociedade de seguros”, concluiu. Esta é uma decisão ainda de 1º grau e cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
O ponto crucial nesta questão é “o falso cooperativismo no Brasil”. A realidade e a teoria no cooperativismo brasileiro tem sido objeto de vários estudos e sabe-se que existem milhares de cooperativas falsas no Brasil. Uma cooperativa congrega um grupo restrito de ajuda mútua, na qual todos os cooperados são iguais (ou classificados), elegendo-se periodicamente alguns associados ou cooperados para a direção. Os resultados financeiros são compartilhados por todos. No entanto, falsas cooperativas são constituídas para operar como empresas, abertas ao público em geral e controladas por grupos que se perpetuam na direção, controlando as eleições para a diretoria e o resultado financeiro.
Se compararmos estas associações de proteção veicular abertas ao público em geral com cooperativas de produtores de leite, por exemplo, veremos que nestas últimas, todos cooperados vivem da produção de leite e as cooperativas se encarregam do processamento e distribuição do leite produzido. Nestas cooperativas de produtores de leite vemos grupos restritos, identificados, regionalizados, com interesse em participar da gestão e operação da cooperativa visto que ela é essencial na atividade e na vida de cada participante. Já numa cooperativa ou associação de proteção veicular o único elo de ligação entre os cooperados ou associados é a proteção de seus veículos, o que representa uma ligação muito tênue entre os membros. Além disto, como esperar que um associado comum tenha interesse em participar da gestão da Associação se ela apenas proporciona a ele um serviço para seu carro?
Como bem destaca o Juiz de Chapecó em sua sentença, temos que diferenciar duas situações muito distintas. Uma coisa é uma Cooperativa de proteção veicular que reúne dezenas ou centenas de transportadoras de uma região, cada uma com dezenas ou centenas de carretas e caminhões. Tal como nos Clubes de P&I que reúnem armadores, neste caso temos uma associação que reúne um grupo restrito de ajuda mútua, em autogestão. Outra coisa totalmente diferente é uma cooperativa aberta ao público em geral, que oferece ajuda mútua para a proteção de um automóvel particular. Nesta última uma auditoria certamente comprovará que se trata na verdade de uma empresa que oferece seguro travestido em proteção veicular e que a associação “tem donos” que controlam os resultados financeiros e se beneficiam dos mesmos como se fossem sócios de uma empresa comum, caracterizando a falsa cooperativa.
Na verdade, já vimos uma discussão com pontos similares anteriormente no Mercado de Seguros quando a SUSEP passou a desestimular os Clubes de Seguro de vida, as chamadas apólice classe C de seguro de vida em grupo. Apesar de serem todos contratos garantidos por Seguradoras, as apólices chamadas classe A eram seguros de vida em grupo do tipo “empregados de um mesmo empregador”; as apólices classe B eram grupo de associações profissionais; e as apólices classe C eram apólices abertas ao público em geral, em que o único elo de ligação entre os segurados da apólice e o estipulante era o seguro de vida. A falta de vínculo entre os segurados e destes com o estipulante criado apenas para aquele seguro gerou e ainda gera enormes dificuldades principalmente quando se precisa promover adaptações e mudanças visto que os segurados pensam estar cobertos por um seguro individual e não reconhecem que o estipulante tem poderes de representação do grupo e pode promover mudanças em seu seguro, em seu prejuízo. Desta forma, está corretíssima a decisão do Juiz de Chapecó em coibir Associações de Proteção Veicular abertas ao público travestidas em seguradoras, usando a forma de operação que funciona apenas para grupos já organizados e preexistentes com vínculos entre si e com a entidade que tem poderes de agir como um estipulante.
Concluindo, ambos lados estão errados. Quem se opõe às Associações de Proteção Veicular generaliza e quer coibir até operações em que o sistema de ajuda mutua pode ser uma alternativa construtiva, com comprovada experiência internacional. Aqueles que são a favor das Associações, por outro lado, generalizam pela autorização ampla, estimulando falsas cooperativas ou associações dedicadas à venda de um serviço enganoso e abusivo que, como comprova a experiência que vimos com os seguros de vida em grupo classe C, ilude o consumidor que contrata um serviço sem se aperceber exatamente da natureza de seu contrato.
Escrito por Nelson Fontana, corretor de seguros e advogado.