O dever de prestar informações prévias ao segurado a respeito das cláusulas limitativas e restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo é exclusivo do estipulante (empresa ou associação), único sujeito que tem vínculo anterior com os componentes do grupo segurável.
Falha no dever de informar em seguro de vida em grupo oferecido por empregadora é só dela mesma, como estipulante. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que não é possível impor à seguradora a responsabilidade pela falha no dever de informar que determinada cobertura está expressamente excluída no contrato firmado.
Desta forma, a 4ª Turma pacifica o tema no STJ e se alinha ao entendimento recente da 3ª Turma, que em fevereiro de 2021 já havia excluído a possibilidade de responsabilizar a empresa seguradora pelo dever de informação aos segurados.
Consequentemente, o tema não precisará ser analisado pela 2ª Seção da corte, que tem a função de dirimir eventuais desacordos entre as turmas que julgam Direito Privado. Os embargos de divergência ajuizados contra o caso da 3ª Turma foram rejeitados pelo relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, já com base no novo posicionamento da 4ª Turma.
Essa mudança de posição foi concretizada por maioria de votos, em processo cujo julgamento foi concluído em 15 de junho. O acórdão foi publicado em 31 de agosto.
Prevaleceu a posição da relatora, ministra Isabel Gallotti, que propôs o reexame do tema a partir das características próprias do contrato de seguro em grupo descritas na legislação de regência e nas normas regulamentares expedidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
O caso concreto trata de um segurado que, ao acionar a seguradora, foi surpreendido ao saber que a apólice do contrato expressamente excluiu da cobertura a invalidez parcial decorrente de doença profissional.
Para ministra Isabel Gallotti, não é compatível com a estrutura do contrato coletivo atribuir à seguradora o dever de prestar informações diretamente ao segurado.
Seguradora x estipulante
Tanto o Decreto-Lei 73/1966 como as resoluções expedidas pelo CNSP estabeleceram que essa modalidade de contrato deve ser celebrada entre a seguradora e o estipulante, o qual representa os interesses de um grupo de pessoas de qualquer modo a ele vinculadas.
O estipulante é, portanto, figura indispensável. É ele quem contata a seguradora, negocia e contrata o seguro coletivo com o objetivo de, só depois disso, oferecer o produto à adesão do grupo de pessoas a ele vinculadas.
É nesse contato que estipulante e seguradora, juntos, fixam os riscos cobertos, valores dos prêmios e das indenizações prazos de carência, prazo de vigência e outras especificidades. Para isso, o estipulante envia à seguradora informações relativas à aceitação do risco, inclusive os dados cadastrais do grupo de pessoas a ele vinculadas.
“Dessa forma, antes das adesões das pessoas vinculadas ao estipulante, a entidade seguradora sequer pode identificar com precisão os indivíduos que efetivamente irão compor o grupo segurado e nem aqueles que, ao longo da relação contratual, aderiram ou se desvincularam desse grupo, o que evidencia não ser compatível com a estrutura do contrato coletivo atribuir à seguradora o dever de prestar informações diretamente ao segurado”, concluiu a ministra.
Ou seja, quando o contrato-mestre é pactuado entre estipulante e seguradora, todos os riscos garantidos e excluídos já estarão definidos. É função do estipulante levar essas informações às pessoas a ele vinculadas, para que decidam se aderem ou não. A cada adesão, forma-se relação jurídica individual.
Portanto, concluiu a ministra Isabel Gallotti, a entidade seguradora tem o dever de informar ao estipulante as bases gerais do contrato a ser celebrado, para que esses elementos sejam levados pelo estipulante às pessoas interessadas em aderir à apólice.
Assim, o eventual descumprimento do dever de informação ao aderente poderia gerar a e reparação por perdas e danos por parte do estipulante, nunca pela seguradora.
Formaram a maioria com a relatora os ministros Luís Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira.
Empregadores vão tender a não fazer mais estipulação de contrato de seguro em favor de empregados, disse ministro Raul Araújo
Vai ser melhor nem oferecer
Divergiram e ficaram vencidos os ministros Raul Araújo e Marco Buzzi, para quem a responsabilização pelo dever de informar pode ser imputada à seguradora, pois a existência da figura do estipulante não afasta dever e obrigações enquanto fornecedora, nos moldes estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
Se a seguradora é quem oferece o produto, conhece do negócio, dispõe dos dados cadastrais e aufere todo o lucro, não há como afastar a incidência do binômio risco-proveito que se traduz na responsabilidade daquele que tira proveito ou vantagem do fato ensejador do pacto.
“É evidente, diante de todos os contornos do negócio jurídico, ora exaustivamente realçados, que a seguradora também deve responder pela violação do dever de informação ao segurado”, concluiu o ministro Marco Buzzi.
O ministro Raul Araújo votou na mesma linha e, em voto vogal de ratificação, expôs as consequências negativas da mudança jurisprudencial da 4ª Turma. Para ele, responsabilizar somente o estipulante é medida injusta, indevida e equivocada que não trará nenhum benefício para os segurados.
Isso porque os estipulantes são, normalmente, empregadores que oferecem seguro de vida coletivo a seus empregados. Por isso, não faz sentido sobrecarregar a figura que nem tinha o dever de levar o benefício a seus empregados, mas o faz por ter uma visão social coerente com a modernidade.
“Estaremos, com isso, sinalizando o quê?” “Não proporcione seguro de vida em grupo para seus empregados, porque qualquer problema vai repercutir em você, estipulante. Fuja disso. Não faça isso. Isso é perigoso para você”, afirmou o ministro Raul Araújo.
“Os empregadores, os empresários, vão tender a não fazer mais estipulação de contrato de seguro em favor de seus empregados, porque, em nossa visão — a meu ver, equivocada, obviamente com todas as vênias —, isso gera responsabilidade para eles, responsabilidade que não teriam se não estendessem aos empregados aquele benefício”, acrescentou.
Ressaltou também que o estipulante não faz parte de cadeia de fornecimento, pois nada aufere, em termos de ganhos monetários, ao proporcionar o seguro de vida coletivo. “Minha preocupação é a de isentar o estipulante, porque acho que devemos incentivar os empresários que se dispõem a levar benefícios a seus empregados, às pessoas mais humildes, numa sociedade tão desigual como a nossa”, disse.
Fonte: Conjur, 22/10/2021.