Em seu depoimento ao Senado australiano, a diretora do Google no país afirma que a lei proposta pelo Governo quebraria o modelo de negócios da empresa. Mas o primeiro-ministro Scott Morrison rebateu dizendo que quem manda na Austrália são os australianos. Entenda neste artigo o que é o projeto que pode até se tornar uma crise diplomática. E também a proposta de uma rede social estatal, feita pelo think tank Australian Institute, o chamado Tech-xit.
Google ameaça sair da Austrália em reação à lei que pode fazê-lo pagar por links pela primeira vez na história
Google ameaça sair da Austrália em reação à lei que pode fazê-lo pagar por links pela primeira vez na história
- . Empresa diz que medida quebraria seu modelo de negócio
- . Primeiro-ministro reage afirmando que Austrália não se dobra a ameaças
- . Em 2020, think tank Australian Institute desenhou uma rede alternativa estatal para o caso de não haver acordo
A discórdia entre o Google e o governo australiano em torno do pagamento por notícias veiculadas na plataforma intensificou-se ainda mais nesta sexta-feira (22/1). Em depoimento à Comissão de Legislação Econômica do Senado australiano, Melanie Silva, diretora do Google na Austrália e Nova Zelândia,disse que a última coisa que a empresa quer é retirar seus serviços do país. Mas isso veio depois de ter aberto seu pronunciamento afirmando que o Código de Negociação da Mídia de Notícias que vem sendo analisado pelos legisladores é inviável:
“Essa proposta estabeleceria um precedente insustentável para nossos negócios e a economia digital. Não é compatível com o funcionamento dos mecanismos de busca ou com o funcionamento da internet”.
Depois de considerar impraticável o pagamento por links de notícias resultantes das pesquisas oferecidas pelo mecanismo de busca e de propor três emendas à proposta, Mel Silva arrematou:
“Juntamente com os riscos financeiros e operacionais incontroláveis, se esta versão do Código se tornasse lei não haveria escolha real a não ser parar de disponibilizar a Pesquisa do Google na Austrália”.
A declaração foi interpretada por meio mundo como um ultimato. Para The Drum, principal website de marketing da Europa, com esse pronunciamento o Google declarou guerra à Australia.
A gigante digital americana não aceita principalmente os termos estabelecidos pelo governo australiano para pagamento às empresas jornalísticas por links e snipetts que forem exibidos como resultados de pesquisas em sua plataforma.
A reação foi rápida. O primeiro-ministro Scott Morrison afirmou que o país não cederá às ameaças do Google e acusou o gigante da tecnologia de chantagem:
“Deixe-me ser claro: a Austrália estabelece as regras para as coisas que você pode fazer na Austrália. Isso é feito em nosso parlamento. E quem quiser trabalhar respeitando isso, será muito bem-vindo. Mas não aceitamos ameaças.”
Outra reação veio do think tank Australian Institute, que em 2020 havia feito uma proposta de uma rede estatal para substituir Google e Facebook caso não houvesse acordo. Peter Lewis, diretor do Centro de Tecnologia Responsável do instituto, conclamou os os legisladores a se manterem firmes contra a intimidação do Google.
“O testemunho do Google hoje é parte de um padrão de comportamento ameaçador que é assustador para qualquer um que valorize nossa democracia”.
O que diz o Código australiano que pretende enquadrar Google e Facebook
Originalmente previsto para ser finalizado em novembro de 2020, o Código de Negociação da Mídia de Notícias proposto pela Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) é o primeiro desse tipo no mundo e a última frente da batalha empenhada pelo governo da Austrália para regulamentar o Google e o Facebook.
Em julho de 2019, o ACCC divulgou um relatório de 600 páginas com 23 recomendações para reduzir a influência das duas empresas que daria aos australianos maior transparência e controle sobre como seus dados pessoais são coletados, usados e divulgados, com o governo federal tomando a decisão final em dezembro. Em seguida, o ACCC voltou a assumir a liderança, elaborando o código para eliminar “um desequilíbrio significativo do poder de barganha entre as empresas de mídia de notícias australianas e Google e Facebook.”
De acordo com a proposta atual, os meios de comunicação teriam permissão para negociar individual ou coletivamente com os gigantes da Internet sobre o valor de usar esse conteúdo. Caso essas deliberações sejam infrutíferas, a questão seria resolvida com encaminhamento para arbitragem obrigatória. O Código também obriga o Facebook e o Google a notificar com 14 dias de antecedência alterações em seus algoritmos que afetem as empresas de notícias.
O sistema altera drasticamente a dinâmica de poder entre os veículos jornalísticos, que viram a receita de publicidade diminuir por anos, e plataformas como o Google e o Facebook, que comandam uma esmagadora maioria do mercado de publicidade digital, respondendo por mais de 80% da receita publicitária na Austrália. O Google reponde por 98% das pesquisas realizadas no país. De acordo com o Digital News Report da University of Canberra de 2020, 39% dos australianos usam o Facebook para notícias gerais, percentual que sobe para 49% no caso de notícias sobre COVID-19.
Desde o ano passado, o Facebook e o Google vêm expressando publicamente sua oposição à proposta. Em agosto do ano passado, o Google fez uma campanha publicitária massiva, com a publicação de uma carta aberta assinada pela Diretora Melanie Silva, alegando que o novo Código “prejudicaria a forma como os australianos usam a Pesquisa Google e o YouTube” e colocariam “os serviços gratuitos em risco”. Também afirmava que as novas regras “obrigariam a entrega de dados dos usuários a grandes empresas de notícias”.
A campanha fez com que o Google fosse repreendido oficialmente pela ACCC e acusado de espalhar deliberadamente notícias falsas aos consumidores australianos:
“O Google não será obrigado a cobrar dos australianos pelo uso de seus serviços gratuitos, como a Pesquisa Google e o YouTube. E nem será obrigado a compartilhar nenhum dado de usuário adicional com empresas de notícias australianas. A menos que decida fazê-lo”, disse o regulador.
Antes do fim de agosto, foi a vez de o Facebook reagir. Afirmou que as “propostas sem precedentes” do ACCC restringirão o acesso dos usuários australianos aos serviços online, acusando a organização de proteger os interesses de algumas pequenas empresas de mídia, além de sugerir que proibiria os usuários australianos de compartilhar notícias locais e internacionais se o Código fosse aprovado. O Diretor da empresa na Austrália e Nova Zelândia, Will Easton, disse na ocasião que essa era “a única maneira de se proteger contra um resultado que desafia a lógica e não ajudará no longo prazo o setor de notícias e mídia da Austrália”. O presidente da ACCC, Rod Sims, respondeu à sugestão, chamando-a de “inoportuna e mal concebida” em um comunicado.
Google diz que lei viola como empresa funciona e a faria pagar por links pela primeira vez na história
Depois do pronunciamento da diretora Melanie Silva no Senado, o Google distribuiu um comunicado assinado por ela no qual afirma que no fundo toda a questão se resume ao fato de que as regras propostas pelo Código desmantelariam um serviço gratuito, baseado na capacidade de vincular sites livre e gratuitamente, por um novo modelo em que se teria que pagar pelos links de notícias e onde o governo daria a um punhado de empresas jornalísticas uma vantagem sobre os outras.
No comunicado, ela diz:
“A capacidade de vincular livremente entre sites é fundamental para a Pesquisa. Este código cria um risco financeiro e operacional irracional e incontrolável para o nosso negócio. Se o Código se tornasse lei em sua forma atual, não teríamos escolha a não ser parar de disponibilizar a Pesquisa do Google na Austrália. Essa é a última coisa que eu ou o Google queremos que aconteça – especialmente quando há um caminho a seguir que nos permite apoiar o jornalismo australiano sem quebrar a busca. Achamos que seria um resultado ruim não apenas para nós, mas para os milhões de pessoas e empresas em toda a Austrália que usam a Pesquisa Google todos os dias”.
Mas sinaliza o que considera uma boa notícia:
” Ainda há tempo para acertar o Código. Participamos de uma audiência recente no Senado e vamos continuar apresentando nosso caso da maneira mais clara e construtiva possível. Esperamos trabalhar com os legisladores e editores para alcançar um resultado que seja justo para todos.”
A diretora afirma que o Código pode destruir o modelo de negócios do Google e interromper o serviço de pesquisa utilizado por 19 milhões de pessoas e 1,3 milhão de empresas na Austrália:
“Há duas décadas o modelo de negócios dos mecanismos de busca foi construído com base nos vínculos gratuitos entre sites. O Código quebraria esse modelo da noite para o dia, fazendo o Google pagar para fornecer links pela primeira vez em nossa história, no caso dos links das organizações de notícias que aparecerem como resultado das pesquisas – e não pelo artigo em si. Afinal, se os linksde um tipo de empresa devem ser pagos para aparecer na pesquisa, por que os de outras não deveriam? Seguir esse caminho destruiria o modelo de negócios de qualquer mecanismo de busca, inclusive o Google.”
Fonte: Aldo De Luca | MediaTalks, 22/1/2021