O PLC nº 29/2017, oriundo do PL 3555/2004, de autoria do então Deputado José Eduardo Cardozo, é basicamente uma proposta de lei que regula os seguros privados e o resseguro no Brasil, revogando artigos do Código Civil.
O PLC estabelece em detalhes regras aplicáveis, indistintamente, a seguros de grandes segurados (por exemplo, riscos de engenharia, riscos operacionais de grandes empresas e garantia) e de pequenos e hipossuficientes segurados (como, por exemplo, os contratantes de seguros de automóvel e de celular), estes últimos atualmente já protegidos pelo Código do Consumidor.
Há diversos problemas na proposta do PLC. O mais marcante é a perspectiva de igual e inadequado nível de proteção legal a todos os segurados. Trata-se de uma visão dirigista, com drástica redução da liberdade contratual e da imposição de regras complexas e desconectadas da realidade que inviabilizam a inovação e a adoção de novas tecnologias.
Seguradoras brasileiras, em razão da legislação, sempre tiveram dificuldade para oferecer coberturas inovadoras e/ou destinadas a suprir as reais necessidades da sociedade. As consequências disso afetam a sociedade como um todo, porque o seguro é instrumento de gerenciamento de risco que, nessa condição, viabiliza a realização de negócios com ganho de eficiência e produtividade.
Nessa linha, o PLC tem impacto negativo, inclusive, no aumento de competidores e de penetração do mercado de seguros, uma vez que elaborado em 2004, traz conceitos desatualizados em face dos avanços tecnológicos das últimas duas décadas. Isso porque desconsidera a contratação de seguros por meios remotos e a oferta de coberturas vocacionadas a processos mais simples de comercialização, já ofertados inclusive por novas seguradoras que atendem um público por muito tempo pouco atendido pelo setor de seguros brasileiro. Ao desconsiderar estas novas tecnologias, o PLC gera um aumento drástico da insegurança jurídica e dos custos de regulação, colocando em risco esses novos modelos de negócios e prejudicando o acesso a produtos de seguros. O Open Insurance, por exemplo, ficaria inviável.
O PLC coloca o Brasil décadas atrás de outros países de economia relevante e atrás dele mesmo, considerando o estágio atual da legislação, que inclusive já estabelece diferenciação entre os seguros massificados e de grandes riscos.
Os seguros de grandes riscos são contratados por segurados que demandam coberturas específicas. Assim, o estabelecimento de um ambiente contratual de seguros extremamente regulado prejudicará os seus interesses. Eles (i) perderão condições de buscar e construir seguros adequados às suas necessidades e (ii) eventualmente, não conseguirão obter sequer algumas coberturas padronizadas, uma vez que pessoas jurídicas serão sempre tratadas como consumidores hipossuficientes.
Seria mais uma desvantagem para empresas brasileiras na competição, no Brasil e no exterior, com empresas estrangeiras. Ademais, o próprio mercado de seguros e resseguros brasileiro verá grandes riscos de empresas brasileiras multinacionais serem colocados no exterior.
Vale notar, desde 2004, data em que se elaborou o Projeto inicial (PL 3555/2004), o mercado de seguros e resseguros passou por relevantes alterações conduzidas a partir da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019).
A principal modificação foi a maior liberdade das seguradoras e dos grandes segurados para negociarem contratos de seguros adequados às suas demandas.
Ainda estamos longe dos países desenvolvidos, mas o Estado já pode hoje focar mais na regulação e supervisão dos produtos massificados e sua comercialização e na solidez econômica e financeira do setor.
Há, ainda, inúmeros exemplos de regras ruins trazidas pelo PLC.
A regulação de sinistro ganharia um ator independente: o regulador de sinistro. Este supostamente não responde à seguradora e nem ao segurado. Entretanto, essa independência eliminará a responsabilidade direta das seguradoras pelo que é feito pelo regulador, o que é prejudicial ao segurado.
Essa nova categoria demandará supervisão da SUSEP e mais regras e procedimentos, tornando o mercado brasileiro de seguros extremamente exótico (comparado a outros mercados). Ganham somente profissionais que atuam na regulação de sinistros, cujo status passará (se isso resistir à realidade da vida econômica) a ser, na prática, de “juízes” de sinistros.
Essa nova sistemática inclusive enfraquece os segurados. Isso porque o regulador de sinistros não terá a capacidade econômica que uma seguradora tem para responder por seus erros, nem as estruturas de governança impostas pela legislação às seguradoras.
Outro ponto crítico é o registro prévio das condições contratuais, que o PLC exige em qualquer caso. Com isso, padroniza-se as garantias para riscos naturalmente desiguais, reduz-se a possibilidade de criatividade e inovação, além de burocratizar insustentavelmente a operação de seguros, mais do que já foi no passado do próprio mercado brasileiro.
Note-se que, com o registro prévio de condições, o seguro de uma plataforma de petróleo ou de riscos operacionais estará sujeito ao mesmo procedimento de verificação pela SUSEP que um seguro de celular. Isso não faz qualquer sentido e agravará exponencialmente problemas históricos dos seguros brasileiros.
Outro exemplo de norma totalmente arcaica é a previsão de que a seguradora deverá notificar, por carta registrada, o segurado para que seja constituída a mora. Tal medida gera custos altos que serão suportados pelos milhões de segurados que pagam seus prêmios tempestivamente e impactam, mais uma vez, os modelos de negócio digitais.
Em relação ao resseguro, o PLC integra o resseguro no seguro de forma ampla. Não há precedentes nessa linha em legislações de países desenvolvidos. Deveria, a se aprovar o PLC, ser simplesmente suprimido o Capítulo que trata desse assunto, pois já existe a Lei Complementar nº 126, que trata das operações de resseguro.
Por exemplo, há no PLC regra prevendo em que o resseguro deverá ser aceito tacitamente, ou seja, com a proposta de cobertura de resseguro, ao se passarem dez dias, o ressegurador já terá aceitado o risco.
Isso aprovado, além da pretensa e difícil aplicação da regra em outras jurisdições, o Brasil tornar-se-á motivo de “perplexidade” (para dizer o mínimo) internacional. Qualquer mensagem recebida por qualquer ressegurador operando no Brasil (brasileiro ou estrangeiro) demandará uma resposta imediata com disclaimer negando a aceitação do risco, se disso tratar a mensagem. Não há nada parecido nem nas mais atrasadas legislações e leis de seguro do mundo.
Outro ponto importante é o regramento proposto pelo PLC para a arbitragem.
A Lei de Arbitragem brasileira garante a segurança jurídica necessária para o florescimento de um meio de resolução de litígios por meios alternativos. As alterações propostas, além de desfigurar normas que vêm funcionando a contento, conflitam com disposições da Convenção de Nova York (Decreto Legislativo nº 4.311/2002). Será mais uma perda de reputação do Brasil, que já se destaca no cenário internacional da arbitragem.
Em suma, o PLC nº 29/2017 pretende estabelecer no Brasil, independentemente de conexões produtivas e funcionais com o mercado global, um setor de seguros e resseguros sujeito a regras exóticas e erradas, especialmente danosas porque equiparam grandes segurados a consumidores hipossuficientes.
O resultado, com perdas evidentes para toda a sociedade brasileira, será a oferta de seguros piores e mais caros. E isso afeta diversos setores que dependem de proteções de seguro, como agropecuária, grandes obras, mineração, extrativismo e varejo e consumo em geral. Basicamente, toda a economia.