Facebook anuncia acordo para pagar empresas jornalísticas britânicas por conteúdo

Luciana Gurgel, MediaTalks, Londres, 01/12/2020

Brasil não é mencionado no comunicado que antecipa os próximos países a receberem a novidade

Pode ser mera coincidência, mas três dias depois de o governo britânico divulgar a criação de um órgão regulador para as gigantes digitais o Facebook anuncia a decisão de remunerar as empresas jornalísticas por conteúdo no país. Em um post no blog, o diretor de parcerias Jesper Doub informa que um espaço dedicado a notícias, o Facebook News, entrará em operação em janeiro de 2021.
“Com o Facebook News, pagaremos às editoras por conteúdo que ainda não está na plataforma, ajudando os editores a alcançar novos públicos e trazendo mais oportunidades de publicidade e assinatura”, diz o diretor.

Atualmente, a maior parte do consumo de notícias via Facebook acontece por meio de links compartilhados no feed de notícias de um usuário. Com o Facebook News, uma equipe de curadoria do agregador de notícias Upday fará a seleção, escolhendo entre as principais notícias publicadas pelos participantes, priorizando conteúdo original. A oferta será complementada por matérias selecionadas pelos algoritmos, refletindo, segundo o Facebook, os interesses dos usuários.

Este é um ponto que já começa a gerar alguma controvérsia. Ao comentar o lançamento, o editor de mídia da BBC, Amol Rajan, afirmou:
“O Facebook sempre disse que não quer tomar decisões editoriais. Ele terceiriza a verificação de fatos para organizações como a Full Fact e terceirizará a curadoria deste serviço de notícias para uma organização chamada Upday, encarregada de selecionar matérias ‘confiáveis’ e ‘relevantes’, o que quer que um editor de plantão decida o que isso significa”.

O acordo envolve inicialmente algumas das principais organizações jornalísticas britânicas, como Guardian, Reach (Daily Mirror), Daily Star, Archant (que publica jornais regionais importantes), The Economist, Conde Nast, ESI Media (Evening Standard), JPI Media (Scotsman), Illife (editora de jornais regionais) e Hearst (editora de revistas como Country Living e Women’s Health). Entre os grandes editores, ficaram de fora o grupo News Corp, que publica o The Times e o The Sun, e o DGMT, dono do Daily Mail.

Segundo a BBC, o serviço estará disponível apenas no aplicativo para dispositivos móveis, e não nos navegadores.
O Facebook não comentou quanto investirá no programa, mas o The Guardian antecipou que “alguns editores esperam ganhar milhões de libras por ano com os acordos de longo prazo assinados com a rede social“. O jornal afirma que fontes da indústria estimam que a conta anual total do Facebook deve chegar a dezenas de milhões somente no Reino Unido.
O Facebook News foi lançado inicialmente nos Estados Unidos em junho passado. Segundo a empresa, gera para as editoras participantes mais de 95% de tráfego de novos leitores. Em agosto, a empresa havia revelado planos de expandir o serviço para vários países, incluindo o Brasil.

Na França, o Facebook também anunciou há duas semanas um acordo com algumas editoras de jornais e revistas para pagar pelo conteúdo, só que em resposta a uma decisão judicial que o obrigou a negociar com as empresas jornalísticas. No comunicado do Facebook News, a empresa disse estar em negociações para implantar o serviço na França e na Alemanha, sem mencionar outros países além desses. “Continuaremos a trabalhar com editores em países onde as condições de mercado e os ambientes regulatórios convidem a esse tipo de investimento e inovação”.

Plataformas sob pressão

A decisão de priorizar o Reino Unido é tomada em um momento de alta pressão sobre as plataformas para amenizar seu impacto sobre a indústria de mídia.

No comunicado em que anunciou aUnidade de Mercados Digitais (DMU) na última sexta-feira (27/12), o governo foi explícito quanto a esse objetivo, ressaltando que “o código de conduta a ser aplicado pelo novo órgão regerá a relação comercial entre empresas jornalísticas e plataformas, a fim de ajudá-las a se manterem no mercado e de garantir acordos justos para os editores“.
A unidade, que começa a funcionar em abril, ficará sob a responsabilidade da poderosa autoridade de concorrência britânica, a CMA (Consumers Market Authority). Sua implantação é uma das recomendações de um extenso relatório examinando o impacto das plataformas sobre jornalismo, negócios e privacidade dos usuários feito pela própria CMA, que servirá como base para a elaboração do código de conduta.

Segundo a consultoria E-Marketer, 80% das receitas de propaganda online no país ficam nas mãos de Google, Facebook, Snapchat, Twitter e Instagram.

As reações

Como parte do roteiro esperado, o comunicado do Facebook destaca opiniões de alguns participantes saudando o acordo:

Zach Leonard, diretor executivo do The Independent, comentou:
“Estamos muito satisfeitos em estender a parceria estratégica de longa data do The Independent com o Facebook por meio do lançamento do Facebook News no Reino Unido, ajudando a trazer notícias de alta qualidade e confiáveis para seus usuários no país”.

David Higgerson, diretor de audiência do Reach, disse:
“Saudamos a introdução do Facebook News Tab no Reino Unido como um sinal do compromisso da empresa em garantir que jornalismo preciso e bem apurado receba destaque em sua plataforma”.

Bobby Hain, diretor da emissora escocesa STV, disse:
“Temos o prazer de ser um parceiro de lançamento do Facebook News e de fornecer conteúdo escocês relevante, confiável e envolvente para os usuários deste novo serviço inovador”.

O Guardian não se manifestou no comunicado, mas suamatéria sobre o acordo, assinada pelo editor de mídia Jim Waterson, menciona que ele chega no momento em que a rede enfrenta ameaças de ver seu domínio na publicidade online quebrado. Ele salienta que “a indústria de notícias tem perdido para o Facebook a batalha no mercado de publicidade britânico”.

O editor de mídia da BBC,Amol Rajan, lembrou que em 2018, mesmo diante de pressões das editoras, Mark Zuckerberg disse que não pagaria aos editores por conteúdo. Ele observou que “por mais de uma década, as organizações jornalísticas vêm argumentando que as empresas de tecnologia carregam seu conteúdo sem pagar por ele e, portanto, agem como sanguessugas”, e acha que a iniciativa atual ajudará a enfraquecer o argumento.
Rajan também destacou que a frase dizendo que o movimento sinaliza ao governo que o Facebook vai investir em ações de interesse público, como o jornalismo, “desde que o ambiente regulatório seja favorável”, pode ser interpretada como um recado sutil.

Luciana Gurgel, Coordenadora editorial do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileira radicada em Londres. Iniciou a carreira no jornal o Globo, seguindo depois para a comunicação corporativa. Em 1988 fundou a agência Publicom, junto com Aldo De Luca, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group). Mudou-se para o Reino Unido e passou a colaborar com veículos brasileiros, atuando como correspondente do canal MyNews e colunista semanal do Jornalistas&Cia / Portal do Jornalistas, no qual assina uma coluna semanal sobre tendências no mundo do jornalismo e da comunicação. É membro da FPA (Foreign Press Association).

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